Sentada, o abismo que a ravina deixa adivinhar engole o silêncio que se repete continuamente dentro da tua cabeça. Gostavas de parar o tempo, de guardar para sempre aquela imagem e vive-la repetidamente como espelho da tua própria felicidade; mas o abismo devolve-te o silêncio que preenche continuamente a tua cabeça.
O sentido de que tudo será diferente amanhã, transfere um sentimento de incerteza que te aproxima do significado de ravina: a raiva de um fundo sem chão, desconhecido e agreste. Sentes que a janela do teu mundo está lentamente a ruir e que para lá do que vês, o ocaso poderá ser diferente, em cada acaso, do que era até agora.
O contraste entre o céu e o que fica para baixo, no precipício, para onde não queres olhar mas que se adivinha nas imagens que reproduzes do que virá, torna-se pouco perceptível. Como se o mundo tivesse parado, para ouvir o silencio dos teus pensamentos, e o céu fosse o teu próximo chão, e o chão do caminho a percorrer o teu novo céu. Sentes -te num avesso de sentires e de vontades, nada do que seria para ser, assim o será...
O teu sentido de futuro mudou, como muda todos os dias a beleza do sol que se encaminha para o outro lado do mundo, que até aí parece ter estado ás escuras à espera do seu lugar ao sol. Esse sol de que não queres perder a imagem, a lembrança, esse sol que seria teu, no seu perfeito lugar. Memorável. Inigualável...
...E de um momento para outro a noite chega. Diferente. Da janela , nada se percebe agora. A igualdade que nos dá a falta de luz, torna democrática a paisagem. Torna a maioria igual, aparentemente soberana. Pressentes o abismo, mas já não o vês. E o céu ilumina-se agora com minúsculos pontos de luz, que dizem desde tempos incontáveis, devolver a quem para eles muito olha, a certeza de um caminho a seguir. A força da vontade de não parar, mesmo quando o abismo se mantém fixo, imóvel e imutável, no lugar que terás que enfim abandonar, para deixar o desconhecido lentamente entrar e ocupar o seu novo lugar ...
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