terça-feira, 9 de outubro de 2012

A vida que se perpétua

Cantava-lhe todos os dia, ou quase todos, pelo menos sempre que podia. Cantava-lhe até que adormecesse. A sua voz era como se a luz de uma estrela enorme entrasse pela janela e iluminasse o espaço com o seu brilho. Esta parte já não tinha a certeza, era apenas a sua imaginação a magicar.

Imaginava-a linda, com uma voz suave capaz de enternecer as pedras da calçada de modo a que chorassem na sua ausência. Tal como ele a quisera chorar tantas e tantas vezes, com a presença da saudade que ela deixara no lugar onde a lembrança deveria ter a sua voz, a sua face.

O berço, talhado em madeira, forrado a branco de algodão, seria segundo sabia, obra das suas mãos para que o sonho o acolhesse sempre que ela não estivesse a seu lado. E não estaria. Nem a seu lado, e vagueando na sua memória só a imaginação daquilo que foram as palavras de outros a seu respeito.

Desconhecer o ventre onde se gerou o amor ou o seio que alimentou a existência que lhe permitiu os passos que foi dando era a pedra que trazia dentro do seu peito.

Embalava-o a certeza de que existira, que o amor que o acolhera era real. Lançava ao mundo a semente que permitiria partilhar o que bom dela continuava a existir...

Chorou. A madrugada acolhia assim um choro de vida...uma menina... alva como a outra estrela que não chegara a conhecer.

Chamar-se -á Utopia, em homenagem de sua mãe e de todas as mães que vivem e morrem na utopia da perfeição daqueles que serão para sempre seus: sangue e carne, genes, sofrimento, esforço e muito amor...

Chora ainda.
Na dor de uma
a vida de outra se perpétua...
terra, ventre, sangue e lágrimas
estrela que brilhas
na noite, no dia, em casa, na rua...
na dor de uma
a vida se perpétua
chora ainda...
estrela que brilhas


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