quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O espaço

Nunca soube muito bem definir como era. O espaço.
Não sabia das imperfeições das paredes, nem se o branco que podia jurar ser a sua cor, estava já cansado dos anos em que se mantera firme na sua verticalidade .
Não se lembrava da porta, nem do puxador. Sabia descrever a janela e a paisagem como se lá voltasse todos os dias. mas não voltava.
Aliás não voltava lá desde que da ultima vez não conseguira abrir a porta.
Trancada.
Trancaram o refugio, como se pertencesse a outro alguém. não pertencia, era seu.
O que mais gostava naquele lugar, para além da janela, que alterava a paisagem de todas as vezes que lá tinha ido ( parecia que a paisagem adivinhava o que lhe seria mais proveitoso visualizar) era a quantidade de objectos que encontrava nos sítios mais impróprios e nunca no lugar certo. Ali a máxima cada coisa no seu lugar e cada lugar para a sua coisa não valia nada, ou seja , valia o que valia, o valor das palavras que se dizem por dizer.
A Confusão reinava, com o telefone no cimo da estante dos livros, ou, como da outra vez, em que encontrou o sofá virado de pernas para o ar e a descansar, no seu topo, uma jarra com um girassol, de uma cor completamente impossível.
Impossível.
Não teremos todos os nossos locais impossíveis? as nossas paisagens impossíveis?
Trancaram-lhe o acesso quando a porta pareceu começar a ficar demasiado pequena para conseguir entrar sem se dobrar.
Não sabe quem tem a chave.
Sabe que naquela janela a paisagem muda todos os dias completamente indiferente ás leis das estações onde nenhum comboio pára porque a vida está no movimento perpétuo, tal como na mudança de paisagens.
Agora as coisas continuam a ter locais impossíveis e sem lógica, mas o espaço já não é o seu.
É isso aí... a vida adulta começa quando finalmente percebemos que não temos nenhum controlo sobre aquilo que racionalmente chamamos lógica. Mas ela ( lógica?) jamais vai parar de olhar, procurando o lugar onde as suas coisas se encontravam, próprias, para cada dia, conforme a estação onde o comboio poderia parar , só por um instante...para descansar...


...e se só por um dia
acreditares que a estação é tua
a letra que ninguém entendia
passará a ouvir-se até na lua...
O comboio acabará por parar
no local que foi escolhido
nesse lugar, a descansar
encontrarás o teu sentido...

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